sexta-feira, 24 de julho de 2009

Test for Echo (Rush) - Um álbum com uma identidade misteriosa

Ao longo de sua história, o Rush sempre fez álbuns que tivessem uma identidade. Quando digo "identidade", quero dizer que os álbuns ou tinham um tema central (nenhum chegou a ser conceitual, ou seja, nenhum tem um tema sobre o qual o álbum se baseia do início ao fim, como se estivesse contando uma história) ou tinham alguma característica que os identificava em detrimento dos outros. A luta do pensamento individual contra o pensamento massificado em 2112 (1976), o duelo entre a razão e a emoção em Hemispheres (1978), os instintos humanos em Hold Your Fire (1987), o destino e a sorte em Roll the Bones (1991) e a religião em Snakes & Arrows (2007) são alguns exemplos de temas explorados pelo Rush ao longo da carreira. Por outro lado, a imaturidade do primeiro álbum lançadado em 1974 (o homônimo Rush), o início do "empopizamento" - professor Pasquale, me perdoe pelo neologismo – em Permanent Waves (1980), a tensão e certa obscuridade em Grace Under Pressure (1984), o som cru em Counterparts (1993) e a mixagem suja de Vapor Trails (2002) são exemplos de características marcantes de alguns álbuns do Rush.


Ao contrário deste “padrão” estabelecido não intencionalmente pela banda, em 1996 foi lançado o álbum Test for Echo. Este álbum não tem uma característica muito evidente, e eu mesmo demorei meses pra entendê-lo. Vou falar sobre o álbum primeiro, depois vou contar a minha conclusão.

Este álbum foi bem peculiar na carreira do Rush por vários motivos. O primeiro deles foi a pausa que eles deram antes da sua gravação. Eles vinham numa seqüência de gravações e turnês desde 1989, ano do lançamento do álbum Presto. Após a turnê do álbum Counterparts (1993) eles decidiram tirar um tempo de folga. Neste intervalo o guitarrista Alex Lifeson lançou seu primeiro álbum solo, chamado Victor, no qual ele mostra uma certa tendência para sons mais pesados, tendendo ao Heavy Metal. Neil Peart voltou a ter aulas com seu guru baterístico, Freddie Gruber - e as aulas foram tão produtivas que tempo depois ele lançou seu primeiro DVD-aula, o A Work in Progress, em 1997. E enquanto isso, o baixista e vocalista Geddy Lee se ocupava com a paternidade. Após a volta para a gravação do Test for Echo, todos eles juntaram as suas experiências vividas no tempo de folga para o novo material. Esta influência das atividades realizadas no tempo de folga podem ser notadas no som bastante pesado do álbum (muitas músicas têm guitarras afinadas abaixo da afinação padrão, o que contribui para o peso do som) e simplesmente no jeito com o qual Neil Peart passa a segurar as baquetas na turnê deste álbum (o traditional grip, veja a mão esquerda do baterista na foto). O segundo motivo para a peculiaridade do álbum foi o processo criativo. Ao longo de toda a história do Rush (considerando o período antes e depois deste álbum) o processo de composição se dividia nas partes musical e escrita – Alex Lifeson e Geddy Lee cuidavam da primeira e Neil Peart da segunda. Os dois “departamentos” sempre trabalhavam paralelamente, e ao juntar os dois trabalhos (sempre colocando partes musicais na letra de Neil) pequenos ajustes eram feitos. Desta vez o processo foi diferente: trechos de letras guardados por Neil há anos se juntaram com ideias musicais de Alex e Geddy simultaneamente, num processo extremamente espontâneo. Deste modo, as letras das músicas passaram a ter temas diferenciados e inclusive ter uma interpretação múltipla, pois os versos foram unidos como numa colagem. Apesar deste aspecto um tanto quanto "cubista" das letras, na maior parte dos casos é possível distinguir um tema em cada música. O terceiro motivo para a peculiaridade do álbum pode ser descrito pela seguinte frase, escrita nas paredes do estúdio de gravação:
Individualmente somos idiotas, mas juntos somos gênios.
Esta frase resume o espírito intenso de coletividade expresso nas músicas deste álbum e de como a coletividade pode ser mais brilhante que a individualidade. Contradizendo os temas individualistas do início da carreira, esta coletividade musical expressa pela banda mostra que eles atingiram um amadurecimento musical significativo.

Com todas estas mudanças no jeito de fazer música e após algum tempo fora da estrada, a banda teve um certo receio de como seria recebida com seu novo material. E o desejo de ver como o público responderia a um novo trabalho os levou para uma nova turnê. Eles precisavam de um “eco” da galera – daí a idéia para o nome do álbum.

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Nome do álbum: Test for Echo
Ano de lançamento: 1996
Músicas:
1. Test for Echo
2. Driven
3. Half the World
4. The Color of Right
5. Time and Motion
6. Totem
7. Dog Years
8. Virtuality
9. Resist
10. Limbo
11. Carve Away the Stone

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O álbum começa com a música-título Test for Echo. Além de já trazer a tal idéia do "eco" que a banda precisava ter, a música já trás o tom do álbum todo em termos de peso nas guitarras - característica que já vinha desde o álbum anterior. Logo depois vem Driven, uma músca que trás o espírito de motociclista viajante de Neil Peart - vale lembrar que no fim dos anos 80 Neil fez uma viagem de bicicleta pela África, e desde então passou a fazer as turnês do Rush viajando em sua moto - e também um pequeno "solo" de baixo que normalmente é esticado nas versões ao vivo. Half the World fala sobre as desigualdades que existem no mundo. Nesta música Alex mostra suas influências "folk" tocando uma mandola (instrumento semelhante ao bandolim e ao cavaquinho) num trecho da música.

The Color of Right é a primeira das músicas "cubistas". Ela trás algums idéias relacionadas sobre o que é certo ou errado, mas eu não tirei nenhuma conclusão a respeito, me desculpem. A próxima, Time and Motion, é outra filosofia cubista acerca do tempo e do movimento. Esta música tem uma das raras participações dos teclados com maior destaque.

Totem é mais uma música que fala sobre religião. Desta vez Neil discute sobre o mundo de religiões, ceitas e outras entidades espirituais que estão disponíveis para a nossa "escolha". Esta discussão é feita através de uma metáfora na qual cada um de nós está num totem assistindo às manifestações e discursos de todas as entidades religiosas enquanto elas fazem um tipo de "propaganda" para nos atrair.

Dog Years é uma mera metáfora para a vida humana, comparando-a com a vida canina. Virtuality antecipa vários aspectos e influências da difusão da internet e outras ferramentas derivadas da informática - vale lembrar que, na época, o mundo virtual estava dando os primeiros passos. Resist é uma bela canção "folk" (quem disse isso foi o prório Geddy, no DVD Rush in Rio) que tem um tom lírico e pessimista semelhante a outras músicas lançadas previamente - Bravado, do álbum Roll the Bones (1991); e The Pass, do álbum Presto (1989). Esta música ganhou uma versão acústica durante as turnês do álbum Vapor Trails e dos 30 anos da banda. Confira um vídeo bootleg desta música tocada na turnê R30:



Limbo talvez é o melhor exemplo para a célebre frase estampada nas paredes do estúdio. Na minha opinião é a instrumental mais complexa do Rush em vários quesitos: execução, criatividade, mixagem, etc. Além do trabalho em equipe do trio funcionar perfeitamente, há pequenos espaços para brincadeiras individuais. Pra encerrar, Carve Away the Stone trás uma metáfora na qual uma pedra simboliza a "bagagem" que nós adquirimos durante a vida e temos que carregá-la, ou às vezes deixar uma parte de lado.

Depois de meses que eu comprei este álbum, só há algumas semanas cheguei a uma conclusão sobre o que ele quer dizer. Talvez a identidade dele na discografia do Rush seja esta sua cara meio "cubista", um tanto quanto aleatória no que diz respeito a um tema principal. Além disso, o Test for Echo encerrou uma nova fase do Rush, marcada pelo retorno das guitarras ao papel principal das harmonias e melodias das músicas.

E o fim desta nova fase teve um desfecho trágico para a banda. Num intervalo de 11 meses, Neil perdeu sua filha num acidente de carro e sua mulher vítima de câncer. Após esta tragédia pessoal, a banda decidiu parar as suas atividades e Neil fez uma viagem de moto pela América do Norte, como uma espécie de "viagem interior" para tentar entender tudo o que estava acontecendo na sua vida. Como resultado desta viagem foi lançado o livro Ghost Rider.

Em 1998 foi lançado mais um álbum ao vivo na carreira do Rush, o Different Stages, um álbum com performances das turnês deste álbum e do álbum Counterparts em dois CDs e mais um terceiro CD com a gravação de uma apresentação da turnê do álbum Hemispheres feita em 1978 . E como homenagem às perdas sofridas por Neil Peart, foram usados versos da música Afterimage, do álbum Grace Under Pressure (1984):
Suddenly, you were gone
From all the lives you left yourmarkupon

5 comentários:

  1. Olá. Muito boa sua resenha, parabéns. Apenas uma correção: pelo que sei, a frase que você citou foi escrita no estúdio durante a gravação do Counterparts (li isso numa entrevista deles).

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  2. Obrigado pelo elogio. Sobre a frase, ela foi escrita nas paredes do estúdio durante a gravação do [i]Test for Echo[/i] mesmo. Achei um trecho do tourbook deste álbum:

    [i]And we're not either. During the making of this record, my partners Geddy and Alex posted some goofy "Inspirational Slogans" on the walls of the studio. Like this one:

    "Individually, we are a ass; but together, we are a genius."[/i]

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  3. Adorei a resenha para este álbum, que é meu segundo favorito do Rush, o primeiro é o Moving Pictures.
    T4E representa uma parte de minha vida, acompanhei seu lançamento em 1996 e até hoje sinto as mesmas emoções ao ouvi-lo.
    Parabéns!

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  4. simplesmente fantástico, como você estou tentando entender esse álbum aos poucos, o que e normal quando o assunto e rush. a genialidade desses caras nos surpreendem cada vez que o ouvimos o que torna essa experiência simplesmente emocionante.

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  5. Parabéns pela resenha, muito bem escrita, disco espetacular de se não a maior uma das maiores bandas q já pisou sobre a Terra!

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